Quem vê Juliana cercada de amigos no cinema, no teatro, ou mesmo andando de skate pelas ruas e outros locais públicos, não imagina que aquela menina “descolada” e bem humorada é uma abrigada de uma das cinco “Casa Lar” da organização não governamental Aldeias Infantis SOS Brasil, em Rio Claro. Muitos não entendem tanta liberdade. Criticam e tomam posturas preconceituosas. Esquecem que, como toda e qualquer adolescente, além de estudar Juliana tem direito à diversão, cultura e lazer, exercendo plenamente o Direito de ir e vir do cidadão (Inciso XV do Artigo 5º, Capítulo I, Título II da Constituição Federal do Brasil).
Vivendo em abrigo para menores desde pequenina, Juliana da Silva, atualmente com 16 anos, foi para uma Casa Lar com 13 anos, em março de 2013, quando a Prefeitura de Rio Claro, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, fez parceria com a Ong Aldeias Infantis. “De início fiquei um pouco assustada, mas ir para uma casa lar provocou uma transformação total em minha vida“, diz Juliana. Ela explica que, tanto na questão de moradia como de convivência, o ambiente é muito diferente da outra instituição onde vivia, desde o fato de conviver com um número menor de crianças e adolescentes, à orientação que recebem das mães sociais.
“As ‘tias’ (mães sociais) fazem realmente o papel de mães, e mesmo não sendo o mesmo afeto que existe entre mãe e filha biológicas, é compensador, pois desta convivência acaba nascendo um carinho que nos passa a sensação de vivermos em um lar, onde olhamos os demais adolescentes e crianças como irmãos, como se formássemos todos uma grande família”, revela Juliana.
Chamada carinhosamente de ‘Ju’, a adolescente ressalta que este tipo de convivência está transformando seu ambiente, seus costumes e sua vida: “As Aldeias me deram oportunidade de desenvolver meu lado cidadão, viajar, conviver com a comunidade”.
Ju conta que dentro da Casa Lar ajuda a cuidar da casa, estuda, lê, assiste televisão, joga basquete, interage com a rede social em seu celular, como qualquer adolescente de hoje: “E ainda encontro tempo para brincar com Aninha, minha irmãzinha no lar”.
Fora da casa, a adolescente frequenta uma escola pública onde cursa o segundo ano do Ensino Médio, faz parte do grêmio estudantil e do grupo de mediadores mirins e ainda joga basquete. Treina basquete também no Clube dos Bancários e anda de skate em lugares públicos.
“Tenho muitos amigos da Aldeias e da comunidade e sou samuqueira de coração. Desde os sete anos desfilo pela minha escola, gosto muito da natureza, gosto de pescar e adoro ir à Floresta correr ou fazer trilha. Gosto também de tocar violão, que aprendi desde pequena, pois venho de uma família de violeiros”, revela Ju.
O dia da adolescente parece ter 48 horas, em vez de 24, pois ela ainda encontra tempo e faz questão de exercer sua cidadania: faz parte do Conselho Municipal de Saúde como suplente de conselheira que representa as entidades estudantis; faz parte do Grupo G38 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, formado por 38 adolescentes de todo Brasil, sendo 27 representantes de seus estados em 11 segmentos, dentre os quais o de Direito à Convivência Familiar e o de Acolhimento a Crianças e Adolescentes sob medida protetiva, representado por Juliana.
O G38 se reúne quando seus integrantes sentem necessidade de discutir problemas e soluções viáveis, comemorar vitórias e quando há conferência ou assembleia do Conselho. “Só em 2015 fui quatro vezes a Brasília, já estou quase morando lá”, comenta Ju. “A liberdade que tenho para ir e vir é muito importante porque exercito meus direitos, trabalho minha cidadania e cresço cada vez mais”.
Em diversas oportunidades Juliana representou crianças e adolescentes das Aldeias de Rio Claro em eventos de São Paulo. Em outubro de 2015 participou em Bogotá, Colômbia, do “Simpósio Internacional Pelo Direito de Viver em Família”, como representante da Ong Aldeias Infantis SOS Brasil, juntamente com representantes da Secretaria Municipal de Assistência Social.
Ainda em 2015 viajou sozinha para a Inglaterra, em uma visita a sua tia, que financiou a passagem. Permaneceu por três semanas em Londres, retornando logo em seguida à Casa Lar onde reside, em Rio Claro. Todo trâmite e autorizações legais, bem como as despesas até o aeroporto foram custeadas pela Aldeias.
“Essa liberdade vivida por Juliana é uma conquista por sua conduta e crescimento dentro e fora da Casa Lar. A visita à tia, em Londres, é um direito que ela tem e visa o fortalecimento de laços familiares”, declara Solange Rodrigues Peixoto, coordenadora da Ong em Rio Claro.
Sobre a Ong Aldeias Infantis SOS Brasil
Até 2012, a Secretaria Municipal de Assistência Social procurava um modelo de abrigo que pudesse proporcionar às crianças e adolescentes de Rio Claro um verdadeiro lar, com sua rotina, deveres e direitos. “Após visitar a organização ‘Aldeias Infantis SOS Brasil’ em Campinas, chegamos à conclusão de que aquele era o modelo de gestão que queremos para nossas crianças. Só assim poderemos colaborar com o crescimento individual de cada uma e transformá-la no cidadão digno e bem resolvido de amanhã”, diz a secretária municipal de Assistência Social, Luci Helena Wendel Ferreira.
Em abril de 2013, a organização Aldeias Infantis SOS Brasil passou a desenvolver o projeto em cinco Casas Lares em Rio Claro, com recursos provenientes dos governos Federal, Estadual e Municipal. São cinco Casas Lares que abrigam 24 crianças, adolescentes e jovens, mais uma casa que é utilizada como escritório, hoje sob a subgestão de Sérgio Marques (Aldeias).
O objetivo do projeto é proporcionar a todos os acolhidos o ambiente de um lar, com respeito, amor, compreensão e orientação constantes. O trabalho da equipe é acompanhado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, Conselho Tutelar, Juiz e Promotoria pública da Infância e Juventude de Rio Claro.
Para a coordenadora Solange, a proposta de inserir crianças, adolescentes e jovens na comunidade, não mais em condomínios ou em um único abrigo, tem sido desafiadora e gratificante. “Percebemos que, apesar das dificuldades, a inserção dos acolhidos na comunidade, como também a luta pelos direitos iguais, socialmente falando, vem dando bons resultados”.
Solange destaca o fato do programa possuir Casas Lares em diferentes pontos da cidade, possibilitando à comunidade um conhecimento maior sobre o trabalho das Aldeias Infantis e da inserção dos acolhidos nas atividades da comunidade. “Porém, como em todo serviço novo, é preciso um tempo para que a comunidade conheça e até mesmo aceite. Após várias reuniões pontuando sobre nosso trabalho, avaliamos que hoje temos o apoio e a aceitação da rede”.